segunda-feira, 15 de abril de 2013


Das Guitarras até os Auspícios das Minhas Loucuras


Em sons regurgitados das guitarras
elétricas e adeptas de um blues
enterro minhas carcaças de cigarras
que cantaram e morreram bem depois
dos cadáveres putrefatos dos fatos
corriqueiros entre mil sóis em devaneios
e a cuia onde eu bebi de sangue quente
já fez coagular os meus escrúpulos.

Tão boa seria a voz de Deus acústica
cantada em partituras extrovertidas
refazendo mortes e ceifando vidas
em cálidos vulcões tão adormecidos,
mas Ele já não fala com os homens
e aqui e ali só deixou a desordem
de mil assassinatos entre as orgias
que vejo nas televisões vadias.

Cansado e entrecortado pelo caustico
suor que rasga face a luz da lida
que sóbrio vou trilhando na berlinda
no aguardo de um apocalipse inexistente
que faz tremer e faz endoidecer a gente
que se apega e já não prega pregos nas cruzes
somente um par de estrelas onde reluzem
as fossas tão desfocadas do amor perdido.

E nas esquinas das amarguras um ébrio destino
corrosivo como as chuvas pálidas de Netuno
aonde eu adormeço e esqueço o prumo
de todos os alicerces desconstruídos,
e a face já desgastada daquele velho menino
me olha e observa minha insensatez
e no dia do revertério pira de vez
tentando me compreender em analogias.

Jonas R. Sanches

domingo, 14 de abril de 2013


 
 
   Presentimento


 
                                    Pressinto sua presença próxima, escapulindo nas sombras do quarto parco de luz. Mais que pressinto, quase a vejo, mortiça, esgalga, trapenta, velha. Muito velha. Adunca. Um meio sorriso de escárnio e gozo nas gengivas vazias de dentes, nas órbitas fundas e cegas, no andar ardiloso, fugindo aos olhares. Pensa que me engana, mas sei tudo o que sabe. Já a conheço de há muito. Muito. Vi-a pela primeira vez nos olhos miúdos de meu irmão, depois nas retinas de minha mãe, em sua hora fatal. Vi-a, todos esses anos. Diversas vezes em diversas ocasiões. Mas sabia que não era a mim que buscava. Seu alvo era outro. Qualquer um, mas não, eu. Agora sim, me quer. E’ minha vez de aceitá-la. Mas vai esperar. Ainda não estou pronta. Preciso rever minha vida, antes de entrega-la.
 
 
 
                                   Texto extraído do livro de Clair de Mattos: “As vidas de Katherine”


 UM RIO

 

Eu assim, feito um rio. Venho de longe, nem sei bem donde. Quem sabe uma grota funda toda roxos e verdes nalguma vertente de morro, quem sabe um descampado arenoso vestido de sol. Quem sabe?

Venho vindo. Primeiro filete, filhote, nem ribeira nem riacho, sulcando trilhas incertas, quase secando, depois engordando nos brejos, nos vales molhados, nas chuvas pequenas e grandes, no sangue da terra que poreja sempre.

Venho vindo e vou passando. Faço curvas, rodopio, salto por cima de pedras, algumas contorno outras carrego, como carrego plantas e galhos e troncos e peixes e musgos e seiva. Às vezes me deito em remanso sombroso escutando o tititi das folhas conversando com pardais. Fico bem quieta, finjo que estou dormindo. De repente despenco no limo das pedras serenas, invento bolhas crespas multicores, esparramo agulhas cintilantes tal cristais em pedaços.

Venho vindo e vou passando. Mesma lesma pesada e pardacenta, viscosa, cheia de espumas, umas brancas outras não. Um dia deságuo num mar, , qualquer. Que me importa? vim e passei. Não volto.

 

                                                                                   Clair de Mattos